No caminho para um novo horizonte democrático

Por Luiza Melo

A democracia está em uma encruzilhada. Paradoxalmente, quando ela se configurava como uma conquista compartilhada por quase metade da humanidade e tinha a possibilidade de ser o horizonte comum de quase todas as sociedades do mundo, viu-se em perigo em lugares onde estava presente há muito tempo e passou por inquietantes processos de “desdemocratização” ou “reelitização”, sendo muitas vezes vítima do populismo e do descontentamento social. Em condições sociais, culturais e econômicas muito mais inóspitas do que em qualquer época do seu passado recente, a democracia se viu às voltas com ondas de ataques e aumento no número de fascistas e neofascistas. Temos como exemplo mais recente o período do Governo Bolsonaro, marcado por violência e pregações explícitas contra as liberdades individuais e coletivas.

Contribuindo com a agenda desse tema no século XXI, Alessandro Ferrara escreveu O horizonte democrático: o hiperpluralismo e a renovação do liberalismo político, publicado pela Editora da Unicamp com tradução de Marcelo Bamonte Seoane. A proposta do livro é enriquecer o debate sobre a intersecção entre democracia e liberalismo político. Ferrara é professor de filosofia política no Departamento de História, Cultura e Sociedade da Universidade de Roma, “Tor Vergata”. 

Em O horizonte democrático é investigada a contribuição para a superação de obstáculos retirados do arcabouço normativo de Rawls em O liberalismo político, visto que todo o potencial é liberado para repensar o ethos democrático, lidar com o hiperpluralismo que transpassa os espaços políticos e solucionar percursos adequados, por meio de argumentos conjecturais, a fim de que a justificação política alcance e inclua todos os indivíduos. O livro surgiu a partir de uma preocupação com a democracia, com a herança do “liberalismo político” e com as fontes estéticas da normatividade.

No decorrer de sua argumentação, Ferrara utiliza fontes estéticas da normatividade que constituíram seu objeto de investigação no passado, como a exemplaridade, a imaginação e o julgamento, que foram resgatados para complementar os recursos conceituais de um liberalismo político revisitado. Assim, o liberalismo político é, entre os alicerces filosóficos gerais contemporâneos, o que melhor aborda e explica a complexa interação da democracia e da normatividade de identidade.  

A obra se divide em oito capítulos – que têm como base materiais utilizados em conferências, workshops e seminários, revisados e ampliados –, subdivididos em tópicos: o primeiro capítulo, “Razões que movem a imaginação: política democráticas no seu ponto mais alto”, foi concebido a partir de um artigo apresentado na Conferência na Universidade de Veneza (2007) e posteriormente aprofundado em outras palestras. O segundo capítulo, “Democracia e abertura”, foi desenvolvido com base em um artigo apresentado em conferência na Universidade de Virginia (2010). O terceiro, “Pluralismo reflexivo e a volta conjectural”, surge da participação do autor em seminários ocorridos em Istambul (2008). No quarto capítulo, “Hiperpluralismo e polis democrática multivariada”, foi analisada uma breve intervenção feita em um debate em conferência na Universidade Luiss Guido Carli. O tema do quinto capítulo, “Cuius Religio, Eius Res Publica: sobre democracias múltiplas”, foi explanado em um workshop, organizado pelo Center for Religions and Political Institutions in Post-Secular Society (2011). “Multiculturalismo: negação ou realização do liberalismo?”, assunto do capítulo 6, foi debatido em um curso de verão sobre direitos humanos, minorias e gestão da diversidade, organizado pela Academia Europeia, em Bozen (2012). “Além da nação: governança e democracia deliberativa” nasceu de um documento escrito para uma Conferência em Roma (2006). O tema do último capítulo, “Verdade, justificação e liberalismo político”, foi abordado na Università Statale de Milão (2009).

Segundo Ferrara, o liberalismo político ainda oferece a estrutura político-filosófica mais inovadora para entender como uma política democrática não opressiva pode chegar a um acordo com a diversidade e com o pluralismo sem renunciar à distinção entre a força da lei legítima e a força do poder e da hegemonia. De acordo com o autor, o princípio da legitimidade liberal contido nele fornece a resposta para a pergunta: “O que distingue o uso legítimo do poder político do exercício arbitrário da força?”.

Os apontamentos feitos anteriormente não significam que a concepção de liberalismo político de Rawls esteja livre de falhas, não necessite de emendas ou que possa lidar com todos os desafios apresentados à democracia contemporânea. Como é elucidado pelo autor: 

A estratégia de reinterpretação do liberalismo político […] vai na direção oposta: em vez de imunizar o princípio liberal de legitimidade e justificação política contra o julgamento adverso de cidadãos menos que razoáveis, defendi a abertura do princípio liberal de legitimidade até o desafio de tornar razoável o irracional. Essa estratégia tem sido empreendida no sentido de complementar a razão pública com um recurso mais acentuado aos argumentos “conjecturais”, mencionados de passagem por Rawls em “a ideia de razão pública revisitada”, mas nunca verdadeiramente explorados em seus fundamentos teóricos e éticos.

Ferrara procurou revisitar o liberalismo político como teoria geral da polis democrática e questionar a suposição, até o momento aceita por todos, de que a política move tudo de uma só vez, por vários estágios de conflito político, do modus vivendi, do consenso institucional e do consenso pressuposto. Dessa forma, o liberalismo político devidamente renovado não é impotente, pode oferecer diversos recursos e ideias à democracia contemporânea, sendo uma delas a política multivariada. Portanto, a democracia nesse novo contexto histórico só pode se beneficiar de uma filosofia política em torno de um núcleo pluralista.

O horizonte democrático: o hiperpluralismo e a renovação do liberalismo político pretende despertar o interesse não só de estudantes e professores de história, ciências sociais e áreas correlatas, mas também daqueles que desejam refletir mais sobre a intersecção dos temas de política democrática e liberalismo político. Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Caso queira se aprofundar ainda mais no assunto, a Editora da Unicamp possui outros títulos em seu catálogo: Margens da democracia: a literatura e a questão da diferença, organizado por Marcos Siscar e Marcos Natali, e 1964: visões críticas do golpe – democracia e reformas no populismo, de Caio Navarro de Toledo.

O horizonte democrático: o hiperpluralismo e a renovação do liberalismo político

Autor: Alessandro Ferrara

ISBN: 978-85-268-1577-3

Edição: 1ª

Ano: 2022

Páginas: 304

Dimensões: 16 x 23 cm

Deixe um comentário