Fotos de Lorenzo Turner. Acervo do Anacostia Community Museum da Smithsonian Institution.
Por Leo Vitor Navarro
O Museu Afro-Digital da Memória Africana e Afro-Brasileira é um museu digital que tem como objetivo reunir em um único acervo trabalhos sobre estudos afro-brasileiros, em especial os afro-baianos, e estudos africanos que hoje estão distribuídos entre diversas coleções e instituições privadas (nacionais e internacionais). Ainda em construção, mas já de caráter importantíssimo para o reconhecimento e a preservação do patrimônio cultural africano e afro-brasileiro, o projeto, que funciona em parceria com a Biblioteca Nacional, recebeu o apoio da Prince Claus Foundation da Holanda, do Programa Pró-Cultura da Capes, do Finep e do Programa Pró-África do CNPq. O projeto é coordenado pelo professor doutor Livio Sansone, um grande estudioso da cultura popular negra e suas ramificações, e pela professora doutora Jamile Borges.
Buscando reunir em um volume importantes estudos desenvolvidos sobre a cultura afro-brasileira, o antropólogo e sociólogo Livio Sansone publicou o livro Estação etnográfica Bahia: a construção transnacional dos estudos afro-brasileiros (1935-1967) pela Editora da Unicamp. Sansone é professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e possui uma carreira rica, tendo sido pesquisador no Institute for Migration and Ethnic Studies, da Universidade de Amsterdã, e vice-diretor científico do Centro de Estudos Afro-Asiáticos na Ucam, Rio de Janeiro. Além disso, entre os meses de março e junho de 2007, ocupou a Cátedra Simón Bolívar no Iheal, na Sorbonne, Paris. Como autor, é responsável, entre outras obras, por Blackness without ethnicity, lançado pela editora nova-iorquina Palgrave, em 2003, e relançado em português, Negritude sem etnicidade, pela Editora Edufba, em 2004.
Em sua nova obra, o autor revisita e compila algumas das principais teorias raciais desenvolvidas por alguns estudiosos estrangeiros entre as décadas de 1930 e 1960, na Bahia. Ao longo do século XX, a cidade de Salvador exerceu grande fascínio mundo afora por conta de sua cultura popular negra, em especial suas manifestações religiosas de origem africana (na cidade, por exemplo, está localizado o famoso Terreiro do Gantois). Além do mais, a Bahia da época apresentava-se como um modelo promissor de integração racial harmoniosa, que poderia ser, segundo Gustavo Rossi, uma “lição” para o resto do mundo seguir. Diante disso, diversos pesquisadores estrangeiros, seduzidos pela “magia” da cidade, deslocaram-se até a Bahia para realizar trabalhos de campo. Entre inúmeros nomes, Sansone elegeu quatro para representar os estudos desenvolvidos na época: os antropólogos brancos Melville e Frances Herskovits (interessados pela cultura), o sociólogo afro-americano E. Franklin Frazier (interessado pela estrutura social) e o linguista afro-americano Lorenzo Turner (interessado pela língua).
No livro, Sansone transita entre as diferentes perspectivas de cada estudioso sem, entretanto, deixar de amarrá-las e criar uma imagem maior das teorias raciais que instigaram a época (e que instigam estudiosos até hoje). Apesar de perspectivas distintas, os pesquisadores buscavam entender um mesmo fenômeno, isto é, “as ‘origens’ e a causalidade das formas culturais negras no Novo Mundo”. Sansone define o fenômeno em uma pergunta que perpassa o trabalho dos estudiosos: “a estrutura familiar negra foi resultado da escravidão e, mais tarde, da adaptação à pobreza ou foi o resultado de africanismos, da sobrevivência de formas tradicionais de vida e cultura africanas adaptadas à vida no Novo Mundo?”. Logo, a cidade não era apenas um terreno fértil para teorias raciais se desenvolverem, mas também para entender como a cultura popular afro-brasileira se desenvolveu.
A escolha do Brasil e da Bahia como o local “ideal” para uma pesquisa tão grande e politicamente relevante sobre a cultura negra e as relações raciais no Novo Mundo foi o resultado de um processo mais longo, que começou na década de 1930. Foi um processo que correspondeu à sinergia entre a política cultural do Estado Novo e a introdução da sociologia e da antropologia como disciplinas acadêmicas nas universidades brasileiras. Foi também o período em que, pela primeira vez, ocorreu uma incorporação simbólica das origens africanas de grande parte da cultura e da religião populares brasileiras na representação cultural oficial da nação pelo ditador populista Getúlio Vargas. Tal processo, evidentemente, fez do Brasil um lugar ainda mais interessante para visitar e pesquisar sobre a população afro-brasileira.
A obra divide-se em três partes: a primeira apresenta a trajetória dos quatro pesquisadores a partir da saída dos Estados Unidos até o posterior retorno; a segunda, por sua vez, demonstra a importância que a Bahia teve na vida deles e compara os trabalhos de cada um, estudando suas diferentes perspectivas de interesse e pesquisa; a terceira, por fim, mostra como os quatro estudiosos abriram caminho para a nova geração de pesquisadores dos estudos afro-brasileiros (e, de certo modo, de ativistas negros).Estação etnográfica Bahia: a construção transnacional dos estudos afro-brasileiros (1935-1967), mais do que apenas uma leitura imprescindível para os estudiosos da cultura popular negra no Brasil, deve ser apreciado por pesquisadores que se interessem pela disseminação da cultura africana para além do continente. Além disso, para os interessados por estudos raciais, a Editora da Unicamp possui em seu catálogo a obra Intelectual feiticeiro: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil de Gustavo Rossi, a quem pertence o Prefácio da obra de Sansone.
Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Estação etnográfica Bahia: a construção transnacional dos estudos afro-brasileiros (1935-1967)
Autor: Livio Sansone
ISBN: 9788526815902
Edição: 1a
Ano: 2023
Páginas: 320
Dimensões: 16 x 23cm