Por Ana Carolina Pereira
Em 21 de junho de 1839, no Rio de Janeiro, nasceu Joaquim Maria Machado de Assis, um dos maiores escritores do Brasil. Machado de Assis foi poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista e crítico literário, deixando um legado extenso de 10 romances, 10 peças de teatro, 5 coletâneas de poemas e sonetos, 205 contos e mais 600 crônicas. O escritor viveu durante um período em que muitas mudanças sociais ocorreram, como a Abolição da Escravatura e a mudança de Império para República no Brasil. Tais mudanças interferiram na obra de Machado, sendo a crítica social, segundo estudiosos da obra machadiana, muito presente nos escritos do autor. Machado nunca frequentou uma universidade, mas lutou para ascender na hierarquia social, assumindo diversos cargos públicos e ganhando notoriedade nos jornais da época. Ele foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e o primeiro presidente desta. Faleceu em 29 de setembro de 1908, aos 69 anos de idade.
A obra machadiana influenciou muitas escolas literárias brasileiras e é relevante ainda hoje. Como indicação de sua importância, os vestibulares brasileiros abordam os escritos de Machado de Assis nas questões de suas provas ou até mesmo colocam livros do autor na lista de leitura para a realização desses exames. Este é o caso do vestibular para ingressar na Unicamp, o qual inseriu, em 2024, o conto “Casa Velha” na lista de obras cobradas na prova. Devido a isso, a Editora da Unicamp publicou esse conto em uma edição com comentários do crítico literário Paulo Franchetti. Franchetti é mestre em Teoria Literária pela Unicamp, doutor em Letras pela USP e livre-docente pela Unicamp.
Em Casa Velha, um padre quer escrever uma obra sobre o reinado de D. Pedro I e, para isso, consegue acesso à biblioteca de um ministro que viveu durante esse período. Enquanto realiza pesquisas nessa biblioteca, o padre passa a ser íntimo da família e descobre uma paixão entre o filho da dona da casa e uma agregada de classe social inferior. Ele percebe que a matriarca se opõe ao casamento do filho com a moça e então decide ajudar os jovens, mas acaba se envolvendo em intrigas e mentiras da casa. Essa edição de Casa Velha diferencia-se das demais por contar com uma Apresentação de Franchetti, na qual são discutidas questões de extrema relevância para a compreensão da obra, principalmente para estudantes que desejam prestar o Vestibular Unicamp 2024, 2025 e 2026 – anos em que o conto estará na lista de obras desse vestibular. Na Apresentação, o primeiro ponto discutido pelo crítico é o lugar em que foi publicada pela primeira vez o conto em questão: a revista A Estação. A publicação foi feita de modo seriado, dividida em 25 partes, no período de janeiro de 1885 a fevereiro de 1886. Tal revista era uma versão brasileira da revista francesa La Saison e apresentava figurinos e notícias da moda europeia com poemas e romances em folhetins. Assim, o público da revista era majoritariamente feminino. Esse ponto é relevante para se entender que “o cuidado no tratamento dos temas mais sensíveis ao público familiar e feminino do Brasil do século XIX era uma imposição prática”.
Outro ponto importante que Franchetti aborda é a crítica feita por Machado à obra O Primo Basílio de Eça de Queiroz. No momento dessa crítica, Machado colocava-se em recusa ao Realismo e suas obras encaixavam-se na literatura de extração romântica. Contudo, em 1878, o escritor sofre uma crise de saúde que reflete na literatura dele. Recluso em Nova Friburgo, o autor teria ditado Memórias Póstumas de Brás Cubas para a sua esposa. Segundo Franchetti, “a partir desse momento, afirma-se aquilo que usualmente se define como a maneira, o modo particular de compor que reconhecemos como próprio e distintivo de Machado e que recobrimos com a designação convencional de ‘segunda fase’”. Essa nova fase da escrita do autor teria as características do realismo literário. Nesse contexto, muito se discute se a novela Casa Velha “foi escrita em momento próximo à sua publicação ou se foi escrita muito antes de publicada” e se seria, assim, uma obra da fase romântica ou da fase realista do autor. Para a estudiosa Lúcia Miguel-Pereira, quem descobriu e publicou essa obra em volume pela primeira vez em 1944, trata-se de um texto antigo, escrito antes da data de publicação na revista, e que foi publicado para “garantir a continuidade do pagamento por colaborações”.
A postulação de Lúcia Miguel-Pereira pode ser sustentada com o fato de Machado de Assis nunca ter publicado a novela em formato de livro, deixando-a esquecida por mais de meio século. Além disso, segundo a estudiosa, Casa Velha apresenta uma visão de mundo que já não era a do autor no ano de sua publicação, em 1885, assemelhando-se mais aos romances da primeira fase do autor. Além dessa questão, Franchetti também pontua que “é inexato dizer que Casa Velha é uma novela ou um conto em primeira pessoa”, pois um narrador abre a narrativa e logo passa a palavra para um segundo narrador, que também é personagem e que vai narrar suas memórias de um acontecido. O crítico indica a diferença entre a configuração dessa obra e de outros escritos de Machado na questão do narrador: “Casa Velha é um relato escrito, estruturado em capítulos, mas que é apresentado, pela voz que inaugura a narrativa, como algo ‘contado’: ‘Aqui está o que contava, há muitos anos, um velho cônego da Capela Imperial’”.
Examinando a publicação na revista A Estação parece claro que o corte do texto em capítulos não é, por assim dizer, funcional. Explico: quando lemos, no mesmo periódico, “O Alienista”, vemos que o modelo seguido é o do folhetim: cada fascículo (por assim dizer) coincide com um fim de capítulo, e cada capítulo de texto escrito para publicação seriada encerra com um “gancho”, ou seja, encerra em suspensão, para fazer o leitor aguardar com curiosidade pelo próximo desenvolvimento. No caso de “Casa Velha” não consegui perceber lógica nos cortes. Nem do ponto de vista da criação de suspense ou interesse, nem do ponto de vista da necessidade narrativa. Quero dizer: a mim parece que, de fato, Machado enviou, para cumprir compromisso com o editor, uma obra de outro tempo, não pensada para ser publicada naquele meio, e recortada de modo a cumprir o compromisso.
Casa Velha é, assim, um escrito muito interessante, sendo de extrema importância retomar essa obra na atualidade. A novela – ou conto – abre portas para debates relevantes como a escrita de Machado de Assis, como as características principais da obra e as diferenças entre as duas fases do autor. Para além de seu caráter literário, a publicação do livro Casa Velha cumpre o papel de tornar tal leitura acessível para o público geral, mas principalmente para vestibulandos que irão prestar as próximas edições do Vestibular Unicamp, fornecendo, também, uma análise bastante didática de um renomado crítico literário. Dessa forma, essa leitura é relevante para um amplo público, que vai desde aqueles que gostam da obra do escritor até estudiosos de teoria literária.
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Autor: Machado de Assis
ISBN: 9788526815988
Edição: 1a
Ano: 2023
Páginas: 152
Dimensões: 10,5 x 18 cm