A tradição e o popular pelo pincel modernista de Guignard

Por Gabriel de Lima

Uma tela em branco; uma paleta a receber as tintas; as mais diversas imagens que são transpostas pelas mãos ágeis, porém cautelosas, de um artista. Para além de seu ofício, o pintor brasileiro na modernidade sempre esteve em diálogo com o contexto social, político, econômico e artístico que o rodeava. Por dentro dos movimentos de vanguarda surgidos no Brasil, o nome de Alberto da Veiga Guignard tornou-se central, sobretudo, pelo “estranhamento entre uma técnica refinada que remete à tradição da pintura ocidental e a aparente naïveté da pintura popular”. Fluminense de nascimento, Guignard viveu por mais de duas décadas na Alemanha, onde frequentou os principais circuitos artísticos europeus e teve contato direto com eles. Retornando à cidade do Rio de Janeiro, em 1929, o pintor dedicou-se profundamente à produção artística. 

A professora e pesquisadora Taisa Palhares apresenta a obra e o modus operandi do artista no livro Alberto da Veiga Guignard: modernidade e tradição, lançamento da Editora da Unicamp. “A fim de ampliar a compreensão do sentido moderno” da obra desse pintor fluminense, a autora revisita a trajetória dele, “desde sua formação europeia até o diálogo que estabelece com o meio artístico brasileiro a partir do final dos anos 1920”.

Taisa Palhares é doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e atua como docente de Estética no Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp). Dedicando-se à carreira de pesquisadora, Palhares estuda em especial a fundamentação da obra de arte desde a Modernidade, um eixo temático no qual se inclui o tão diverso e singular Alberto da Veiga Guignard, que é o tema central da presente publicação.

Sobre a tradição, Guignard retratou em suas pinturas certos elementos que constituíam a cultura popular no Brasil, o que, segundo Palhares, evidencia uma retomada feita pelo artista de características já existentes no léxico artístico nacional, sobretudo, nas vertentes ditas regionalistas. Com a dificuldade em “aplicar à trajetória de Guignard um modelo evolucionista, segundo uma divisão de ‘fases’”, o livro ressalta o viés vanguardista de algumas obras do pintor, sendo estas produzidas em diferentes momentos da vida de Guignard. Transitando entre o conservadorismo e a estética modernista, o trabalho pictórico do artista deu-se, de acordo com a autora, por uma constante reelaboração de elementos singularmente guignardianos.

Na obra, as particularidades do artista são apresentadas a partir da “modernidade” e da “tradição”, dois termos contidos no subtítulo do livro e díspares entre si. Nessa análise, Guignard partilhava de dois polos entendidos como antagônicos pela crítica e historiografia artística, ao utilizar em suas pinturas elementos que mesclavam intimismo e distância, além da criação de retratos únicos da dimensão subjetiva do povo brasileiro. Essa ambiguidade contida no subtítulo ecoa para outras ambiguidades do pintor: a “tensão constante entre interior e exterior, real e imaginário, a figura e sua abstração, o definido e o apenas insinuado”.

O livro é composto por quatro capítulos – que dividem a trajetória do artista –, e estes são antecedidos por uma Introdução assinada pela própria autora. Assim como “seus trabalhos sugerem uma assimilação gradual da linguagem moderna”, a vida intelectual de Alberto da Veiga Guignard é igualmente tomada por Palhares como modelo para a estruturação da presente obra, dado o empenho evidente por um delineamento, o mais preciso possível, da carreira artística e das vivências desse personagem importantíssimo nas artes brasileiras. No primeiro capítulo, a autora recupera as primeiras recepções das obras guignardianas que se tiveram enquanto o pintor fluminense ainda estava vivo – Guignard faleceu no dia 25 de junho de 1962. Os capítulos posteriores dão sequência a esses primeiros apontamentos, além de discorrer sobre o perfil transnacional do artista e da sua proximidade – ou não – com os movimentos de vanguarda no Brasil. 

Acerca da pesquisa envolvida nesse livro, foi devido às contribuições de diversas instituições e de diversos colecionadores que Alberto da Veiga Guignard: modernidade e tradição traz uma visão amplificada dos assuntos que cercam o pintor fluminense, apresentando “uma modernidade [das obras guignardianas] que é construída por uma via de mão dupla, em que não se nega o passado, mas se procura atualizá-lo a partir da experiência do presente”. Sobre isso, a autora ressalta a importância das fontes de pesquisas para o recolhimento de informações, uma etapa muito importante no processo de produção do estudo.

Com base nessas informações obtidas durante a consulta de materiais – a maior parte de difícil acesso –, Palhares percebeu que estudar as obras de Alberto da Veiga Guignard é também uma forma de “repensar a questão da arte moderna brasileira”, dado o caráter singular e ambíguo do pintor de Nova Friburgo. Considerado por muitos críticos como o pioneiro do “lirismo nacionalista” no Brasil, a estética guignardiana foi quase sempre aproximada a uma visão romantizada do povo brasileiro, porém, não fugindo à rota modernista, as questões do intelectual brasileiro de vanguarda estiveram intrínsecas na vida e na obra de Guignard, assim como demonstra Taisa Palhares em seu estudo. Com as modernas pinceladas da tradição, pode-se dizer que o artista produziu uma estética pictórica única no cenário nacional.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Alberto da Veiga Guignard: modernidade e tradição

Autora: Taisa Palhares

ISBN: 9788526815858

Edição: 1a

Ano: 2022

Páginas: 152

Dimensões: 14 x 21 cm

Deixe um comentário