Por Everaldo Rodrigues
A natureza é cheia de vínculos de interdependência entre os seres vivos. De relações benéficas para ambos os lados àquelas em que sempre alguém sai prejudicado, existe uma que, quando observada com atenção, revela o quão importante são as pequenas contribuições e os acasos (que talvez não sejam apenas acasos) que unem formas de vida tão diferentes. É o caso da íntima conexão entre os humanos e a levedura. De fato, se não houvesse essa coexistência, nossa trajetória teria sido muito diferente. Neste texto você vai conhecer o livro A ascensão da levedura: como um simples fungo moldou nossa civilização, de Nicholas P. Money, e entender como um organismo tão pequeno ajudou a transformar a sociedade como a conhecemos hoje.
Nicholas P. Money é professor de botânica na Miami University de Oxford, Ohio. Especialista em crescimento e reprodução de fungos, escreveu diversos livros de divulgação científica sobre o tema. Ele também foi pioneiro no uso de filmagem microscópica em alta velocidade para o estudo dos mecanismos de irrupção utilizados pelos fungos para lançar seus esporos no ar. Nesse livro, Money nos conta sobre o pequeno e popular fungo Saccharomyces cerevisiae, que você talvez conheça como “levedura de cerveja” ou “fungo do açúcar”.
Você pode não ter sido formalmente apresentado ao Saccharomyces, mas provavelmente entra em contato com ele todos os dias. Essa levedura é importantíssima para alguns dos processos que, entre outras coisas, ajudaram os nossos ancestrais a deixarem de ser caçadores-coletores para se tornarem agricultores sedentários. Da produção das bebidas alcoólicas fermentadas e do pão fofinho ao etanol que movimenta carros, a levedura tem sido uma parceira “invisível” do ser humano, transformando completamente a forma como nos organizamos ao longo dos milênios.
“Há 10 mil anos, nossos ancestrais abandonaram a carne de caça e as frutas silvestres em favor da criação de animais e do cultivo de grãos”, escreve Money. “Nosso apetite pela cerveja e pelo vinho produzidos por esse fungo foi um grande estímulo para o assentamento agrícola”, continua ele, colocando o consumo do álcool, mesmo que modesto, como um fator determinante para a formação das primeiras comunidades. E o motivo é muito simples: era necessária uma aldeia inteira para fazer funcionar uma cervejaria ou para cuidar de um vinhedo, como ainda é hoje.
Para muitas pessoas, pode parecer ridículo que uma das principais motivações para os assentamentos agrícolas de Homo sapiens seja a produção de bebidas alcoólicas, mas basta notar como essa prática atravessou nossa história para entender a importância do álcool para nossa existência. Vinho ou cerveja mudam nossa percepção do momento, trazendo momentos de alegria ou de tristeza, dependendo da quantidade em que os consumimos. “Sem a levedura, a Terra seria um planeta sem álcool e todo pedaço de pão não seria fermentado”, reforça o autor, explicando também como esse alimento tão básico para nós pode ter sido criado por acaso: “O pão nunca irá fermentar sem uma boa injeção de levedura fresca e a fonte mais provável foi um derramamento acidental de espuma aromática da superfície de um vaso contendo cerveja”. Juntos, pão e essas bebidas devem sua existência ao pequeno Saccharomyces, que, além dessa contribuição, tem um potencial enorme para moldar nosso futuro.
O segredo da levedura está justamente em sua capacidade de produzir álcool etílico – ou etanol. O álcool é uma molécula rara na natureza, produzida de forma limitada por sementes em germinação e por alguns tipos de bactéria, que tendem a gerar aromas desagradáveis que ninguém quer sentir na cerveja ou na cidra. Ele também é gerado em nuvens interestelares, o que torna a levedura detentora de um importante monopólio aqui na Terra. Ela usa a glicose e outros açúcares como combustível propulsor da dinâmica de suas células, e a energia residual de seus processos químicos internos é liberada na forma de álcool.
Aproveitando esse processo ao longo dos milênios, nós desenvolvemos bebidas cada vez mais inebriantes e pães cada vez mais fofinhos. No entanto, o desenvolvimento das pesquisas em genética e o mapeamento do DNA da levedura têm mostrado que seu potencial vai muito além. A primeira coisa a ser destacada é que a levedura pode ser utilizada como um sistema-modelo em pesquisa por sua capacidade de revelar regras básicas da biologia. Cientistas têm utilizado o fungo para desvendar as bases moleculares da hereditariedade, o que pode nos dizer muito sobre biologia humana, afinal, seu comportamento celular é mais próximo ao nosso que o das bactérias, por exemplo. Atualmente, leveduras geneticamente modificadas também são utilizadas para produzir vários remédios, como a insulina, a vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV) e um remédio injetável para tratar degeneração ocular.
Linhagens de leveduras também são muito úteis mesmo sem qualquer modificação genética introduzida em laboratório: elas ajudam a produzir biocombustíveis a partir de açúcares extraídos do milho e da cana-de-açúcar. O Brasil é o líder mundial na produção de biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar, enquanto nos Estados Unidos esse processo é realizado com milho. O desafio para os cientistas é desenvolver uma linhagem de levedura que seja capaz de digerir a biomassa, os resíduos agrícolas fibrosos resultantes do processo das colheitas tanto da cana-de-açúcar quanto do milho. Leveduras capazes disso poderiam resolver nossa demanda energética no futuro, permitindo que abandonássemos os combustíveis fósseis definitivamente. Nicholas P. Money é categórico quanto a essa possibilidade: “Conforme o planeta aquece, a busca por essa fábrica de biocombustíveis suprema pode vir a ser reconhecida como a missão mais importante na história da ciência”.
Ao longo de sete capítulos escritos com bom humor e recheados de informações explicadas de maneira simples e direta, unindo química, biologia e história, o autor expõe sua paixão pelo estudo dos fungos e resgata a longa trajetória de uma relação que tem sido muito positiva para ambas as espécies. Além disso, também mostra como o avanço científico pode tornar essa relação ainda mais produtiva, seja no combate a doenças, seja na produção de combustíveis, mantendo ainda o alerta aos riscos que os experimentos podem trazer e apresentando a maneira como a comunidade científica deve lidar com as possibilidades oferecidas pelos fungos.
A ascensão da levedura é obra indicada não apenas para estudantes e pesquisadores do reino Fungi, mas também para todos os curiosos, para os amantes de um bom vinho ou para os padeiros de fim de semana que, envolvidos nesses processos, podem descobrir um pouco mais sobre a história de um ser vivo tão pequeno e capaz de fazer tanto.
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A ascensão da levedura: como um simples fungo moldou nossa civilização
Autor: Nicholas P. Money
Tradutor: Andreas K. Gombert
ISBN: 978-65-86253-85-6
Edição: 1a
Ano: 2021
Páginas: 192
Dimensões: 16 x 23 cm